Mas alguém
se fudeu.
E esta
é a historia. Feita sobre encomenda para tornar a sua própria existência algo
interessante. Não acredito muito em finais felizes, a felicidade parece ser um
grande tédio. É quando você esta mais confortável, que percebe a grande merda
onde se meteu. Ele ia pensando a cada degrau que subia.
-
Olá?
Era a
voz de Isabel.
Ele não
respondeu. Continuou subindo, devagar, se arrastando, apoiado no corrimão da
escada.
-
Quem está ai?
-
Isabel, sou eu.
Parou
por um minuto para tomar fôlego. Ela continuava dentro do apartamento. Sentada na
cadeira de balanço. Olhando pela janela a luz do final da tarde. Ele estava
realmente um trapo, tinha levado uma bela surra. Segurou um dos seus dentes com
dois dedos, e o dente ia para frente e para trás, seus lábios inchados.
- A
porta esta aberta – ela gritou -, entre!
Tossiu
um pouco, respirou fundo. – um momento. Respondeu.
Ele respirou
fundo, e foi até a porta. Empurrando-a.
- Olá!
Ela saltou
da cadeira e foi ao seu encontro.
- O
que foi isto meu amor. Ela disse, passando a mão em seu rosto ensangüentado.
Ficaram
os dois se olhando na entrada do apartamento, com a porta escancarada para trás.
Nenhum deles realmente sabia o que estava acontecendo.
Mas eles
não sabiam. Porque eu ainda estou inventando a historia. Você entende? É assim
que as coisas funcionam, aos poucos vai se materializando a idéia. Por enquanto
ainda não tenho nenhuma idéia. Mas eles estão na entrada se olhando. Jorge
falava com seu eu interior.
Ela olha
a própria mão ensangüentada, enquanto ele força um pouco mais o dente, e o
arranca. Mostrando o dente branco sujo de sangue para ela e os dois começam a
rir. Uma risada grosseira e nervosa.
- Você
tem bons ouvidos. Ele disse.
- Porque
você acha isso amor. Ela disse.
- Escutou-me
subindo as escadas, não fiz quase nenhum barulho.
-
Ah, é que vi quando você atravessou a rua.
- E
porque não foi ao meu encontro – Ele disse -, você viu que eu tava todo
arrebentado.
-
Achei que estava bem.
- A
minha cara é de quem esta bem?
Isabel
ficou olhando para ele de cima a baixo, analisando toda a cena. Ele não parecia
estar tão mal, ela pensou.
- Você
só precisa descansar um pouco – Ela disse e puxou ele até o sofá -, tem que descansar.
-
Uma estatua na praça tem mais sentimentos do que você. Ele disse e se jogou no sofá.
-
Quer um café?
-
Preciso de algo para relaxar, me trás uma cerveja.
A garota
correu até a cozinha e voltou com uma garrafa aberta de cerveja, ele encostou o
gargalo da garrafa nos lábios e tomou um bom gole.
-
Puta que pariu! Ele gritou, e cuspiu no chão a cerveja.
- O
que foi amorzinho?
- Esta
cerveja ta quente, me trás outra.
-
Não tem mais amor – ela disse -, você esqueceu que tomou todas ontem.
-
Que merda, podia ter comprado mais?
-
Mas você não me deixou dinheiro.
-
Tudo desculpa, eu vou embora.
Tentou
se levantar do sofá, mas o corpo tinha esfriado e as dores aumentavam, parecia
que estava chumbado, concretado naquele sofá. Desistiu e ficou olhando a
cadeira de balanço.
- Que
merda é essa? Ele disse apontando com a mão para a cadeira.
- É
uma cadeira de balanço. Isabel disse.
- Eu
sei que é uma cadeira de balanço, mas o que ela esta fazendo aqui.
-
Ah, eu comprei da vizinha, hoje de manhã.
-
Mas você não disse que estava sem dinheiro?
- É
que a vizinha vendei por um bom preço.
-
Mas você não esta sem dinheiro.
-
Tinha uns trocados, ela é linda né?
Isabel
se sentou na cadeira e ficou olhando para Jorge, e ele continuava olhando para
a cadeira enquanto ela se embalava. A vida estava uma merda, tudo que ele tinha
eram uma garrafa de cerveja choca e uma cadeira de balanço de segunda mão. Toda aquela miséria o incomodava e o fato da
garota estar ali se embalando o incomodava mais ainda. Os dois estavam
desempregados, na verdade nunca tinham trabalhado. Um dia decidiram morar
juntos, juntaram o que tinham, alugaram um apartamento pequeno direto com o proprietário.
E ali estavam depois de três meses. Um grande erro – Jorge pensou.
Jorge
olhou bem no fundo dos olhos de Isabel e disse: - Porque você não faz um
strip-tease.
-
Fazer o que? Ela perguntou.
-
Tira a roupa, pra eu ver.
- Eu
não quero tirar a roupa pra você ver.
-
Porque não?
-
Não estou com vontade.
-
Preciso me masturbar – ele disse -, você poderia ser legal comigo.
- É
sempre a mesma historia.
- Você
acha?
Ela parou
de embalar a cadeira, e os dois ficaram em silencio se olhando. Dava pra ver em
seus olhos o fogo, e não era de paixão. Estavam acabados, e ele sabia que a
diversão tinha chegado ao fim.
Enquanto
eu penso no final da historia, você pode ir ao banheiro, dar uma mijada ou se
preferir ir à cozinha preparar um chá ou café, sinta-se em casa. Ele ia dizendo
para seu eu.
Forçou
mais um dente pra frente e pra trás.
Se você
foi ao banheiro espero que tenha lavado as mãos! Na verdade não importa o livro
é seu agora. E você deve ter gastado algum dinheiro, esta em seu direito.
E o
dente começou a balançar, pra frente e pra trás, como o balanço da cadeira.
Isabel continuava imóvel, apenas observando. O dente soltou de sua boca, e ele
ficou admirando, o dente e seus dedos sujos de sangue.
- Você
sabe que as coisas não são bem assim. Jorge argumentou.
- Do
que esta falando? Ela perguntou e voltou a se embalar.
- O
fato de querer ver você nua.
-
Muda o disco – ela disse -, você só pensa nisso.
-
Preciso de você.
- Você
quer dizer do meu corpo.
-
também...
Na rua
a noite já tinha chegado, e agora apenas as luzes dos postes, casas e carros,
iluminavam. As nuvens encobriam as estrelas e a lua. Tudo parecia artificial e
urbano. A sala tinha ficado na penumbra e seus olhos foram se adaptando com a
pouca luminosidade, nem perceberam.
-
Vou voltar para casa. Ela disse.
-
Mas que merda é essa. Ele disse.
-
Não tá certo a gente morar aqui – Isabel falou -, desse jeito.
-
Que jeito?
-
Vou embora!
-
Puta merda! Jorge gritou
Ele tinha
acabado de arrancar mais um dente, já era o terceiro dente, em apenas um dia.
-
Puta merda! Ele gritou de novo.
No canto
da boca corria um filete de sangue misturado com saliva, a falta daqueles
dentes o fazia não conseguir segurar a saliva. Isabel se levantou da cadeira de
balanço e foi até o interruptor da luz e acendeu.
-
Vai ser melhor – ela disse –, você vai ver.
-
Melhor pra que? Ele perguntou
-
Não me faça sentir mal.
-
Tudo bem, vai logo então.
Ela
foi até o quarto em silencio e pegou sua mala, que já estava pronta. Enquanto
Jorge continuava sentado no sofá observando. Isabel saiu pela porta do
apartamento e desceu as escadas. Jorge voltou a mexer em outro dente, para
frente e para trás, ia ser o quarto dente. Aquilo dava uma sensação de prazer,
pra frente e pra trás, até arrancar e depois ficava admirando. - Mas alguém sempre se fode. – ele disse para
o seu eu interior.
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