Na minha época (in memoriam)
Teve uma sensação de luto atrasado.
Se isto é possível, ele não sabia. Mas era o mais verdadeiro sentimento que ele
sentiu. Trinta dias antes conversava com
outro amigo, contando velhas historias. As historias até que eram velhas, mas
ele não sentia. O tempo sempre correndo e ele com dez mil relógios afiados. Prontos
para provarem que o tempo não passava. Apenas jogava para frente. Os
reencontros, as lembranças, a possibilidade da imortalidade. No presente não
tinha tempo para beber um copo d’água. Tinha que correr a encher vários copos
de todos os licores, vinhos, gasolina, areia, caldo de feijão... Sem tempo para um simples copo d’água, não
fazia sentido desperdiçar o momento. E o dia terminava com um gosto de passado.
– amanhã. – ele dizia. E enxergava a possibilidade do futuro, onde tudo podia
realizar, naquela estrada interminável. Sempre usando o presente para contar o
passado, apostando no futuro. – Na minha época. – ele dizia sempre quando
queria contar algo novo. Em seus planos um dia ia rever os velhos amigos. Um
dia! Sempre se tem tempo para isso – ele pensava.
Neste dia em especial. Hoje. Ele esta
folheando para passar o tempo uma lista com o nome de todos os amigos de sua
época. Conhecia muitos artistas, pintores, escritores, pesquisadores, fotógrafos...
Alguns já tinham passado para outro plano, já tinham ido embora. Quanta gente
morta ele conhecia, e aquilo foi começando a fazer um sentido estranho.
Ele pensa a respeito do tempo,
enquanto vai descendo seu dedo pela lista. Olhou distraído o nome do amigo. Aquele
amigo que há trinta dias, exatos trinta dias. Tinha falado a respeito. Falou de
maneira solta, sem muita importância, já que em breve ele poderia rever.
Um detalhe naquela lista chamou
sua atenção, ao lado do nome tinha duas datas. A princípio sua mente não
aceitou o significado daquilo. Há trinta dias ele tinha mencionado o nome do
amigo. Mas aquela segunda data, lhe foi como um soco no estomago. Já tinha
passado quatro anos. Ficou por um instante sem saber onde, em que época e o que
tinha acontecido. Notou que a cada ano. Os nomes naquela lista vão ganhando uma
nova data. Na minha época – ele pensou -, não era assim.
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