03
No dia seguinte.
Eu tinha chegado cedo ao
cemitério, não havia mais ninguém na capela, apenas o caixão lacrado. Ainda
faltavam duas horas antes do enterro que estava Marcado para as 10h30min.
A temperatura tinha
mudado, o céu estava encoberto. Densas nuvens bloqueavam o sol. Não era de se
duvidar que logo fosse começar a chover. Parecia um dia típico de funeral, um
dia feio e sombrio. É como se o céu
estivesse reverenciando o morto.
Como pode tudo acabar
assim? Toda a corrida e pressa em conquistar, mais e mais poder. E de repente o
sujeito se encontra dentro de um caixão, numa capela vazia. Aguardando para ser
enterrado e esquecido. Ele teve uma vida aparentemente boa. Realizou todos os
sonhos. Todos os sonhos? Uma vida plena? É possível? Não para ele, tinha muita
ambição. Eu tenho muita ambição. Ali estava eu, com 30 anos, e sem uma
perspectiva do que poderia fazer de minha própria vida. Ele tinha chegado ao
fim, eu não sabia onde estava. E ainda tinha tempo pra chegar lá. A dois dias
atrás ele deve ter pensado a mesma coisa.
A vida é estranha, não é?
Um sujeito rico lacrado dentro de um caixão, enquanto outro miserável fica
observando do lado de fora. Qual seria a relação dele com o outro sujeito?
Ângelus, nome estranho. O sujeito tinha uma aparência formal e ilustre. Um
aristocrata em pleno sec. XXI. Sua personalidade e maneiras não combinavam com
a miséria do local. Uma cidade de pessoas muito simples e sem grandes desejos.
Ele deveria estar mentindo, eu nunca o vi antes. Ele é daquele tipo que ninguém
esquece, muito diferente, se destaca na multidão.
Eu precisava de
respostas, fiquei curioso. O Anderson, nunca tinha me comentado de onde vinha
todo seu dinheiro, sempre achei que fosse de alguma herança. Dinheiro de
família. As respostas estavam agora ali dentro daquele caixão. O outro sujeito
tinha ido embora e provavelmente não iria aparecer para o sepultamento. Fiquei
esperando os parentes e amigos chegarem. Encostado na porta, vi quando os
pedreiros, passaram com um carrinho cheio de ferramentas e duas pás. Precisavam
organizar tudo para a cerimônia final.
O telefone tocou, retirei
do bolso da calça, atendi.
- Pedro – disse. É você
Rodríguez?
- Aqui é Bernardo
Voltolini – disse a voz.
- O que foi meu amigo?
- Apenas liguei para
saber se esta tudo saindo de acordo, com o que foi contratado.
- Eu não sei o que foi
contratado, mas parece que esta tudo correndo dentro do esperado. Não posso
dizer que esteja tudo bem, por causa da situação. Esta de acordo.
- Não consigo falar com
os pedreiros, os enxergou por ai?
- Acabaram de passar em
direção ao mausoléu da família.
- Me faz um favor fica de
olho neles, sabe como são lerdos. É capaz de o finado apodrecer do lado de fora
e eles ainda nem abriram a passagem.
- Estou esperando alguém
da família chegar aqui na capela, assim que alguém aparecer eu vou lá dar uma
olhada. Ainda temos tempo, é cedo.
- Eu conheço estes caras,
eles são muito lerdos. Não da pra relaxar, fica de olho!
- Pode deixar.
- Estou mandando a tarde
a pedra nova, ficou bonito. Um granito preto e as palavras em dourado. Não
mandei antes porque o fotografo não entregou a foto. Mas igual ia ter que
esperar o cimento secar dos tijolos, para fixar a tampa. Coisa de primeira
linha.
- Nosso amigo merecia
mesmo.
- Eu não sei se ele
merecia, apenas fiz o trabalho. Quero apenas receber o meu dinheiro. Deixou uma
viúva gostosa o coitado.
- E como vão os serviços?
- Esta época o ano é
complicado, só morre mesmo quem esta doente. No verão e nos feriados o fluxo é
melhor. Mas acredito que este ano os negócios vão melhorar. Tem muito
adolescente curtindo festa de carro, e isto da uma incrementada nas vendas. E
os pais sempre querem o melhor para os filhos, sabe como é.
- Cada um com a sua
profissão, meu amigo.
- Da uma olhada nos caras
para mim, confio em você.
E desligou.
Fiquei observando os
pardais tomando banho de areia no saibro. Bom, que a temperatura estava amena.
Deve ser muito ruim enterro em um dia de sol e tempo limpo. O calor abafado, e
ter que vestir terno em qualquer época do ano já é um sacrifício. Mas terno
escuro em tempo bom não combina. Não entendo porque de toda esta formalidade. É
uma combinação de ostentação e dor. Se um conhecido morre, parece uma obrigação
ter que ir se despedir. Como se o defunto fosse se importar. É lógico existe
sempre a família, e é bom dar um apoio. Mostrar alguma gentileza, ser cordial e
amável. Tem pessoas que levam ao estremo. Nem conhecem direito o morto e sua
família. E dão um espetáculo. Ontem até que todos estavam coerentes, vamos ver
hoje. Sempre se pode ter uma surpresa.
Um dos pedreiros voltou e
passou pela porta. Acenando.
- Já está quase tudo
pronto! Gritou. – Só vou pegar mais uns tijolos!
Peguei uma cadeira de
dentro da capela, e me sentei do lado de fora. Parecia que as horas não
passavam. Fiquei arrependido de ter chegado tão cedo. Mas alguém tinha que
estar ali. Acendi um cigarro, e voltei a olhar para os pardais. Pássaros de
sorte – pensei. – Para eles não existe esta coisa de céu ou inferno. É apenas a
vida.
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