Tirei a sorte de um dos bolsos
de um defunto
apenas um foi o bastante
lhe faltaram as cartas
a cigana fugiu para o oriente
carreguei algumas cruzes
para construir um calvário
e fui ficando tão calvo
tinha algumas nozes
para quebrar pedra uma picareta
que pensei em eutanásia
mas minha doença tinha cura
e fui logo comprando um cavalo
e quando na porta bati
ela estava fechada
e eu do lado de dentro
pensando em quem batia
tirei a sorte de um defunto
não a crime no abismo
se o obituária já foi assinado
não se pode brincar com o destino
apenas jogar algum tipo de jogo
e para quem não tem sorte
apenas resta o azar
e as peças do domino
tinham planejado um plano
parece lógico que exista vida além
que se a primeira caísse seria de primeira classe
o mundo desabaria feito um tomate
e quem mais poderia ter sorte
num mundo que desaba
que se esmaga
que apodrece
que carece de alguma virtude
e o defunto apenas sorrio
para minha vida hipócrita
onde os vermes espreitam
prontos para o golpe
esperado
e a cada passo uma vertigem
num poço caindo em pedaços
sufocando-me em meu vomito
vendendo a televisão menos os canais
tentando ler um livro sobre as ondas
tentando fingir alguma lógica
tendo um pouco de compaixão
sonhando com um dia azul
e palmeiras e areia
algo de incomum no verão
acordei cortado com os cacos
de uma garrafa
e o sangue já ejaculado
sem nenhum calor para confortar
apenas a dor do frio
a dor da carne cortada
e das latas de lixo os ratos saindo
e garrafas de vinhos
risadas e gargalhadas
olhos insanos
um olho de vidro
um olho de peixe
um litro de óleo
e uma vaca de ubre cheio
acendi um cigarro
o ultimo entre vinte
o escolhido em uma longa linhagem
e vi a sombra que se formava
vi um vitral sem cor e sem diferença
parecia apenas mais uma janela
apenas mais um vidro sem sabor
que não se quebrava nem cheirava
como poderia descer tanto
e ainda ter tanta esperança
aquilo tudo soando a degraus
lembrei de uma igreja
e de sinos de bronze
procurei uma pequena folha de papel
e a igreja no topo do morro
minha vida resumida
a olhar para cima e descer
num sorriso sarcástico
me caiu mais alguns dentes
de quem não poderia se defender
só podia ser mais um culpado
vi a corda e a pá
apenas para você não ler
vou escrever ao infinito
esta mensagem
um breve soneto sem rimas
tudo pelo que se passa na calçada
ou na estrada em velocidade
em bares e albergues
entre amigos e inimigos
quem diria todas as velas que se acenderam
para minha alma que se apagava
o sonho continuava o velho e bom carretel
e o defunto sorrindo sem sorte
se retorcendo em sua própria
incompreensão.
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