Ela ficava tentando me provar que
depois de um relacionamento fracassado. Deveríamos dar um tempo. Tinha algo de
filosófico, do tipo conheça a si mesmo, antes de mergulhar em outra aventura. Eu não entendo muito bem este negocio de psicologia
ou qualquer outro tipo de trapaça. Apenas observava a maneira como ela me
olhava. Sempre amável. Sempre gentil.
O tempo. Ela tinha um discurso a
respeito do tempo. Como se conhecesse o tempo. Como se de alguma forma tinha
descoberto um poder a respeito dos sentimentos. Mas todas as pessoas tem sempre
algo de formal e tirano. Quando falam a respeito de uma boa qualidade de vida.
A vida que para elas é a certa. Uma vida com regras, mas as regras estão sempre
mudando. E não temos muita certeza. Eu não tenho muita certeza. Mas desconfio
de quem tem. Num mundo maleável e confortável é de se estranhar quando alguém
começa a querer a ditar as regras. Daquilo que realmente não sabe.
Percebi que não poderia jogar o
jogo dela. Simples assim, tinha desistido de brincar de ser adulto. Se as
pessoas seguissem a metade dos conselhos que elas adoram dar para as outras
pessoas. Descobririam o quanto são chatas, e o quanto é chato, seus mundos
idealizados. Existe uma graça no caos, no instinto selvagem, no desejo puro.
Que faz com que as pessoas tenham medo da vida, e elas criam regras. E todos
seguem o mesmo caminho. Pessoas adoram
discursos bonitos e falsos, adoram se enganar.
Você pode ter uma religião e
acreditar num lugar mágico, e acreditar que pagou para estar ali. A diferença é
que aquilo tudo faz algum sentido, mas as épocas mudam, os sentidos mudam. Ou
pode apenas se conhecer melhor. Quem sabe esqueça o disfarce em algum bolso de
algum casaco no fundo de algum armário. E vai estar nu na rua. E não vai fazer
sentido tudo isto.
Voltamos a falar sobre
relacionamentos, e como tínhamos coisas em comum, e como eu queria comer ela,
mas eu não sabia se ela queria apenas dar pra mim. O problema é este jogo de
amor sem amor. Qual o problema de um pouco de sexo? Definir palavras para
expressar sentimentos e atos. A palavra amor pode ter qualquer significado, e
nunca é o significado de quem fala, talvez seja o de quem escuta. O mais perto
que consigo imaginar do significado da palavra amor, é a visão de uma miragem
no deserto. Você deseja tanto aquilo que esta pronta para morrer por nada.
Gostaria de ir ao supermercado,
caminhar pelo corredor dos sentimentos, parar na frente da prateleira e pegar
um pacote ou vidro de amor. Ia dar uma olhada na data de fabricação e se
estivesse dentro do prazo de validade. E se o preço não fosse muito alto. Levar
um pacote ou vidro, ou lata. Pode ser algo orgânico e ecologicamente correto,
estar de acordo com a trapaça do nosso tempo. Mas se for industrializado e sem
nenhum toque humano. E mesmo assim ainda ser o amor que idealizamos, mas não
temos e nem recebemos. Apenas idealizamos, como a imagem da miragem. Quem sabe
comprar um pouco.
O problema é que não se pode
confiar nos rótulos, o produto que esta lá dentro é sempre outro.
Neste ponto aceitei o conselho
dela. Comecei a sair com varias e varias mulheres. Sem fazer promessas e nem
pedir nada em troca. Durante um tempo funcionou. Porque como qualquer mentira
durante um tempo funciona. E as pessoas conseguem fingir durante um tempo que
não querem algo. E todos no fim querem algo. E se fala tanto em liberdade, mas
não se admite a liberdade do outro. A
eterna procura de um culpado. A eterna procura de um inocente. Pode ser um
discurso ou uma discussão.
Ela pediu para eu tomar cuidado,
como se uma miragem fosse capaz de me machucar. Não era o caso já que eu sabia
do risco e me mantive na sombra. Quando você começa a entender o mecanismo e
todas as engrenagens, fica tudo muito previsível.
Foi previsível quando a vi
apaixonada por outro sujeito. Você joga mal e vence, você joga bem e perde. Não
tem nenhuma novidade. Ela se preocupou tanto em dar conselhos que se esqueceu
de escutar seus próprios conselhos. E começou a viver sua miragem e justificou
todos aqueles sentimentos ruins que as pessoas têm como: posse, ciúme,
autoritarismo, e etc.. Em uma única palavra “amor”.
(conto da coletânea "Com prazer" livro VII - Röhrig C.)
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