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DICA DO DIA

Precisamos de empregos e de papel higiênico


É curioso o valor que as pessoas dão a tais fardos.  Ter que trabalhar ir a alguma igreja, participar de algum clube ou votar. Uma vida sociável onde elas possam meter seus dedos sujos em nosso nariz e dizerem que as coisas são assim. Passo dias e semanas pensando em não fazer nada que se encaixe em seus conceitos de produtivo. Nem sou uma pessoa razoável. Apenas gosto de manter certa distancia confortável. De alguma forma alguém esta sempre tentando te sacanear, um simples “bom dia” já pode vir cheio de chatices. Veja como este casal, que hoje me visitou. Charlie e sua esposa Raquel, eu acho que ele tem mais problemas do que eu, mas vamos a historia.
Eu estava cortando as unhas do pé direito, com um cortador de unhas, muito pequeno e as unhas estavam muito grandes e duras. Tinha terminado de cortar as unhas do pé esquerdo. Sempre começo pelo pé esquerdo, é mais fácil. Quando ia cortar a primeira unha do direito, escutei uma batida na porta. Fui de pés descalços até a porta.
- Quem é? Perguntei.
- É o Charlie – ele respondeu -, podemos conversar.
Fiquei parado atrás da porta pensando se podia conversar com ele, e se ele apenas queria conversar, não precisávamos nos ver.
- O que você quer Charlie?
- Podemos conversar Jeux.
- Isto você já disse – eu disse -, prossiga.
- Você não vai abrir a porta. Ele disse.
- Mas você não disse que queria conversar – argumentei -, fala então porra!
Não suporto gente que não sabe o que quer, o sujeito bate na minha porta, atrapalha o meu prazer de cortar as unhas do pé. Fala que quer conversar e depois não fala nada que se aproveita e ainda quer entrar.
- Eu estou com a Raquel, viemos lhe fazer uma visita.
- Tudo bem Jeux! Raquel gritou.
- Então é uma visita que vocês querem fazer? Perguntei e abri a porta.
Os dois estavam parados lado a lado, na frente da porta. Pareciam dois vendedores de bíblias ou representantes daquela igreja, não lembro o nome da igreja, mas eles estão sempre aos domingos de manhã enchendo o saco, com aquele papo de salvação, e blá blá blá...
- Vocês vão entrar, ou ficar ai parados? Eu disse.
- Como vai amigo? Raquel perguntou.
- Na verdade eu estava bem até vocês aparecerem. Respondi.
- Desculpe, quer que a gente vá embora? Charlie disse.
- Não precisa fazer drama Charlie – eu disse -, vão entrando.
Ficamos os três sentados na sala, o casal no sofá e eu numa cadeira ao lado da mesa. O cortador de unhas em cima da mesa. Acendi um cigarro. E o silencio continuava. Ninguém falava nada.  Raquel era muito feia, sorte minha ela já ser casada com o Charlie. Comecei a pensar como seria interessante comer ela na frente do Charlie, e ele todo apavorado gritando e falando que aquilo não podia acontecer. Ele deve acordar todo o dia no mesmo horário para ir a fabrica, e lá fica trabalhando a semana toda, contando as horas para chegar o domingo e poder passar o dia em casa com sua amada. Os dois se olhando e falando de tudo que é assunto da semana. Todos os assuntos que viram e souberam através da televisão. Ou planejando fazerem visitas surpresas a minha casa.
- Já conseguiu emprego? Ela perguntou.
- Ainda não. Respondi.
- E que tipo de emprego esta procurando? Foi à vez dele perguntar.
- De nenhum tipo. Respondi.
Apaguei a bagana no cinzeiro, e voltou o silencio. - Era isso então – pensei. Eles tinham aquelas caras de propaganda de margarina, aquela cara de pessoas que vivem no paraíso.
- Mas você tem que fazer alguma coisa. Ele disse.
- Faço muitas coisas, hoje mesmo tenho que ir ao bar para comprar mais cigarro e um trago. Eu disse.
- Se quiser conversar - Ela disse -, pode ir lá, em casa quando quiser.
- Pensei que já estivéssemos conversando. Eu disse.
Na parede o relógio, ia se movimentado, os ponteiros com a mesma calma nervosa, que todo aquele assunto estava me deixando doido. Eu não entendo porque as pessoas têm que falar quando não tem nada para dizer. Parece ser uma obrigação.
- Pois é. Ele disse.
- Pois é. Eu disse.
- É o que? Ela perguntou.
- Pois é não sei. Respondi.
- Vocês sabem quem inventou o relógio? Eu disse.
- O relógio? Ele disse, e coçou a cabeça, como se tentasse achar a resposta.
Já tinha passado alguns minutos, e minhas unhas continuavam me esperando. Tinha mais cinco para cortar.  Eles pareciam não estarem à vontade, ficavam olhando para todos os lados, como se algo pudesse acontecer. Já não sabia mais o que pensar.    Aquilo tudo fazia parte do que chamamos de sociedade, relações humanas, ou qualquer outra coisa que possa atrapalhar um sujeito de cortar suas unhas.
- Parece que vai chover. Charlie disse e olhou para Raquel.
- Puta-que-pariu! Gritei.
Raquel deu um salto do sofá, parecia estar assustada com minha reação. Aproveite a oportunidade e comecei a tamborilar na mesa. Cada vez que batia o som parecia aumentar. Continuei batendo com mais raiva, até o cortador de unha cair no chão. Charlie também se levantou.
- Já vão? Perguntei.
Foi engraçado, mas o casal respondeu junto e de forma muito sonora e uno. – já ta tarde, e amanhã tenho que trabalhar.
- Entendo, mas que bom que vieram.
- Não seja hipócrita, você odiou a nossa visita. Ela disse e foi caminhando em direção da porta sendo seguida por nós dois.
- É bom odiar alguma coisa – eu disse -, às vezes faz sentido.

Depois que meus amigos foram embora, peguei o cortador de unha e fui até o banheiro para dar uma boa cagada. Precisando economizar tempo para outras coisas, fiquei ali cagando e cortando as ultimas cinco unhas. Compensando o tempo que tinha perdido.  Tempo é coisa que não se pode desperdiçar. No final surgiu um problema serio que me fez pensar em tudo que não tínhamos conversado, e como eu não tinha comido a Raquel. E nem como poderia entender a aflição do Charlie nas intermináveis tardes, olhando o relógio da fabrica e contando as horas para chegar ao domingo.  Eu estava sem papel higiênico, lembrei que o sistema sempre te pega pelo rabo. Mas não desisti em minha resistência, lembrei que tinha usado apenas um lado dos papeis higiênicos que estavam no cesto. Fucei no cesto, sem muita sorte, até que encontrei uma revistinha daqueles abençoados do domingo. O papel meio duro e áspero, mas funcionou para o propósito que foi impresso. Mas não pense que sou insensível e imoral. Pense apenas que não penso em você, então porque a sorte não pode ser recíproca?
 E talvez você tivesse dito alguma coisa. Fulano disse isso, o outro disse aquilo. Todo mundo disse alguma coisa, é uma merda. Mas você continuou firme até o fim e isto é bom.  Entre a falta de papel higiênico e emprego, o que me preocupa mais é a primeira. Faz tempo que eles não tentam me salvar, mas isso eu não disse. Combinado, mas agora vá dormir que amanhã você tem que trabalhar e eu pensar em outra historia.



 (conto da coletânea "Com prazer" livro VII - Röhrig C.)




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Forma ou fôrma - qual o correto?

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