VINHO,
SEXO E UM PROVÁVEL AUTOGRAFO
Já lhe contei a respeito
daquela tarde do livro, na feira do livro de Porto Alegre. A muitos anos estava
tentando alguma aceitação. E como todo idiota que participa de uma coletânea com
outros idiotas, eu estava lá, sentado e apavorado. Sempre tive aversão a locais
públicos e a ser notado. Aquilo era uma agressão a mim mesmo.
De alguma forma os fins
justificam os meios, é o que dizem. Mas estávamos sentados lado a lado, nunca
vi tão péssima poesia reunida num mesmo livro. Estávamos felizes na espera dos
amigos e familiares. As pessoas tem uma necessidade em serem “legais”. Eu era
um grande poeta com três poemas de merda em uma coletânea de muitas merdas.
Sou do principio que um
escritor escreve, e não faz rodinhas de ciranda com outros escritores. Normalmente
esses grupos reúnem nada além de vaidade e pseudo aceitação. A necessidade de
aceitação torna todo escritor um fraco. Você começa a querer escrever o que os
outros vão querer ler, e isso não funciona. Pode até funcionar enquanto estiver
vivo e conseguir ajustar as possibilidades.
O fato que estávamos para a
graça da editora que tinha nos roubado alguns trocados em nome da arte e de
nossa própria vaidade. Esse pessoal que publica coletânea são uns safados muito
expertos, o lado bom que tudo isso um ano depois parece que nem existiu. Mas depois
de alguns anos encontrei um exemplar daquele negocio num sebo. E as coisas não
funcionam da maneira que esperamos.
Aquela mulher foi passando e
catando os autógrafos de cada pseudopoeta até chegar a minha vez. Ela parou na
minha frente, fiquei olhando para ela sem saber o que fazer. O que era aquilo
uma psicopata colecionadora de autógrafos, ou meramente uma pessoa que estava
se esforçando para ser gentil com algum amigo ou parente. Lembro que não convidei
nenhuma das opções, e pode acreditar que essas são as únicas opções quando você
faz parte de algo assim. É claro existem sempre os outros idiotas que também
escrevem e vão querer massagear o seu ego para depois você massagear o deles. É
uma grande punheta coletiva. Não deixando de lado os feminismos, eu diria também
que é uma grande troca de caricias femininas. Eu adoro ver duas mulheres se
amando. Mas isso faz parte da minha loucura machista e hipócrita. Nem sei porque escrevi isso, mas vamos manter
o foco na balburdia coletiva dessa maldita necessidade de aceitação.
- Qual o seu poema mesmo? Ela perguntou.
Peguei o livro e lhe mostrei
as páginas em que tinha algo meu. Ficamos nos olhando. E eu precisava fazer
aquilo, sem saber como fazer.
- Qual seu nome? Perguntei.
Escrevi seu nome na página,
lhe desejado um abraço e colocando minha assinatura no final. Aqueles minutos
pareceram uma eternidade muito desconfortável, me senti profundamente ridículo fazendo
aquilo. Quando terminei lhe devolvi o livro, ela retribuiu com um “muito
obrigado”. Deixei-a ir pegar seu próximo autografo. Que linda coleção de nada
que ela estava fazendo ali. Eu nunca compraria aquela coletânea. Mas gostei de
participar dela, o ser humano e suas debilidades.
Mas foi o jeito que cheguei de
chegar até aqui, lhe agradeço o convite e fico feliz que esteja lendo o meu
livro.
- Ele chegou ontem pelo correio,
- ela disse – e não consegui largar mais até terminar.
- Você tem mais vinho? Eu disse.
Ela foi pegar outra garrafa na
geladeira, enquanto fiquei jogado no sofá pensando o que estava fazendo ali. Teoricamente
em minha teoria, eu devia beijar ela quando volta-se. Tomei mais alguns
comprimidos e estava tudo correndo bem.
- Eu gostei muito da história,
é louca e absurda, me fez dar boas risadas. Mas confesso que esperava que o fim
fosse diferente.
- Sim, foi proposital a
maneira que escrevi o final.
- Mas você precisava ter feito
assim?
- Se eu fizesse de maneira
diferente seria muito obvio. Gosto da surpresa. Escrever para mim é criar um
labirinto e deixar o leitor se perder. Meu propósito é fazer você se perder. Da
mesma maneira que eu me perco, muitas vezes, e pode acreditar que eu sou um
sujeito perdido.
- Você podia ter sido mais
bonzinho com ela.
- Mas ela não foi boazinha com
ele.
Terminamos a garrafa e ela me
arrastou para o quarto, fiquei pensando em Giacomo Casanova escrevendo
suas longas cartas para suas amantes nas costas nua de alguma amante. Ela tinha falado que queria um autografo,
enquanto eu pensava em apenas lhe satisfazer na cama. Mas também aquela ideia
de lhe escrever uma dedicatória em suas costas não parecia nada mal.
- Você é muito querido. Ela disse.
- Acha mesmo? Eu disse.
- Sim, os homens de hoje só
querem transar e depois eles vêm cheio de dramas e carências, você parece que
não quer nada além da companhia. Gosto desse seu olhar perdido.
- É isso mesmo que você pensou
a meu respeito?
- Sim, você é querido.
Continuamos nos beijando, fui
tirando sua roupa e logo estávamos satisfeitos. Olhando o teto e abraçados. Maldita
existência que não permite duas pessoas se sentirem além da superfície. Queria estar
dentro de um carro acelerando e manejando uma garrafa de uísque. Com o pé bem
no fundo e secando até a ultima gota daquela garrafa. Mas estávamos ali
brincando de felicidade. E eu ainda estava pensando em uma trilha sonora e em
tomar mais alguns comprimidos.
- Gostei de te conhecer! Ela disse.
- Até que a gente se entendeu
bem, né? Eu disse.
- Quando a Fabi me falou de você
fiquei curiosa, - ela disse – que bom que aceitou o meu convite.
- Que bom que leu o meu livro.
Você não sabe o quanto isso me faz feliz.
- Mas não esquece que quero
seu autografo. Ela disse e sorriu de uma forma tão feminina e sensível que esmagou
o que restava do meu coração.
- Sim, sim.
Acabamos adormecendo e no
outro dia me vesti enquanto ela se espreguiçava.
- Já vai? Ela perguntou.
- Sim, não quero lhe
atrapalhar.
- Mas e o meu autografo?
- Podemos deixar para outro
dia? Eu disse.
Ela fez um beicinho de menina
mimada e aquilo fez toda a história valer a pena. Deixei o autografo para outra
noite. Precisava repetir tudo aquilo pelo menos mais uma vez. E também precisava
de mais algumas doses de vodca e uns comprimidos. A vida é realmente um caso
estranho. Voltei para a rua e estava tudo normal. As pessoas fazendo as mesmas
coisas sem saber que eu tinha tido uma noite de grande escritor perdido na
Cidade Baixa. E se o Estevam passasse por ali naquele momento eu simplesmente diria:
- Adeus Estevam!
Röhrig
C.
Do
livro: Cidade Baixa e suas Mulheres Altas “Um escritor na Cidade Baixa”
Comentários
Postar um comentário