HOJE
ESTOU INCLINADO A UM POUCO DE RELIGIOSIDADE
Acordar na Cidade Baixa é
sempre um desafio, nunca sei ao certo aonde vou acordar, mas as vezes acordo em
casa. E com pouca ressaca. Você não pode imaginar o quanto é difícil morar em
um bairro aonde sempre tem uma festa e pessoas dispostas a um pouco de
distração. E tantas mulheres morando sozinhas com seus felinos.
Não é à toa que aquele
escritor do outro lado da redenção plagiou a história de um felino e teve que
se desculpar publicamente. Nunca achei que ele fosse um sujeito sério mesmo,
tinha um sorriso falso e se adaptava bem aos ambientes, sempre moldando seu
discurso conforme o público.
Antes mesmo de abrir os
olhos já sei que estou no meu quarto, apenas pelo som da voz de uma vizinha. Uma
velha chata que tem um sotaque de italiana da colônia. Aquele sotaque bem do
interior. Uma voz insuportável que me faz ligar o rádio e ficar escutando música.
A velha fala em um tom tão alto, que parece estar dentro do quarto, isso me
assusta um pouco. Me causa pesadelos. Parece uma torneira pingando durante a
madrugada. Os assuntos, os mais chatos que você possa imaginar. O som da sua
voz é uma tortura diária. Palavra por palavra pingando.
Hoje vi minha vizinha em
horário de expediente, seu marido está trabalhando e isso é bom. Ela ficou me
olhando enquanto eu disfarçava estar focando no meu trabalho inútil com esse
teclado dos infernos. É bom ter a mesa de trabalho na frente da janela. Nem tudo
é ruim, de um lado tem essa velha italiana insuportável e do outra a minha vizinha
dona do lar e que nunca disse nada, é sempre um silencio que vem do lado dela. Estou
nesse limbo, entre o céu e o inferno.
Aquele sujeito que disse
que o inferno são os outros, estava com toda a razão. Você percebe isso quando a
voz dos vizinhos invade seu espaço. Ou quando sai na rua e é forçado a desejar
um bom dia para alguém que nem seria necessário ver. Vizinhos são um inferno.
Depois que ela ficou
alguns dias interessada em saber o que esse inútil faz de suas tardes bebendo
vodca e escrevendo nessa máquina. Começou a desenvolver uma rotina, deixava o
sujeito sair para o trabalho e meia hora depois aparecia para estender sua roupa
intima, a minha preferida é uma calcinha vermelha de renda, fico imaginando-a
dentro daquela calcinha rebolando no meu colo. E dizendo, o quanto se preocupa
com o marido. Criamos um código, já sei
até quando seu marido está em casa, quando ele está ela coloca uma toalha na
primeira cordinha e esconde as calcinhas na cordinha de trás, mas quando ele
não está ela estende as calcinhas na primeira corda. Uma mulher sabia.
Dia após dia, ficamos
trocando fingimentos.... ela deve ter certeza que não a vejo, ou em seu íntimo
ela gostaria de saber que eu a vejo. Isso é praticamente um flerte ilegal....
estou começando a gostar dessa mulher.... adoro mulheres com iniciativas
ilegais. Teve uma que queria porque queria, que eu fosse jantar em seu
apartamento. Ela queria que me tornasse amigo de seu marido, ela insistia que tínhamos
muitas coisas em comuns. Mas eu achava que em comum estávamos apenas comendo a
mesma mulher.
Tem algumas mulheres
casadas que gostam de uma sacanagem mais pesada, deve ser uma forma de
vingança, por passarem tanto tempo sendo maltratadas ou ignoradas por seus cônjuges.
Sou um sujeito de muitas
lembranças, lembro de uma amiga que passava pelas casas que estavam sendo
reformadas ou construídas na praia e ficava com cara de braba quando levava uma
cantada chula de algum servente de obra. Mas confessou que tinha certa tara e
ficava imaginando em como seria se as coisas fossem um pouco mais além de
simples palavras. Quem sabe um pouco de ação numa tarde tediosa. Ela carregava
essa frustração de nunca ter sido agarrada e jogada em cima de uns sacos de
cimento ou caixas de papelão.
Lembro que pensei na
época em me candidatar a servente de alguma obra em que ela passasse na frente.
Acho que poderia carregar alguns tijolos e sacos de cimento, apenas acho. Ficar
bem suado e quando ela passasse na frente eu iria arrastar ela para interior da
obra, e puxar a parte de baixo do seu biquini para o lado e meter com força em
sua xota. Enquanto ela ia tentando se apoiar de quatro contra uma pilha de
sacos de cimento. Uma foda entre dois animais.
Fui mais longe nessa
tarde nostálgica, lembrei de outra que seduziu o rapaz que cortava a grama
enquanto seus pais estavam trabalhando, e que depois da primeira vez, sempre
que ela precisava se aliviar telefonava pra ele, mas não era para cortar a
grama.
Isso se chama sexo, da
forma mais primitiva. Apenas uma forma de se aliviar de tantos hormônios que
ficam borbulhando e as pessoas teimam em dissimular. Precisamos manter as aparências.
E meter nas convergências.
Fumo um cigarro e olho a
fumaça azul e penso quando a vizinha vai me pedir uma xícara de açúcar ou algo
assim. Tardes inspiradoras na cidade baixa, numa cidade chamada Porto Alegre.
Enquanto todos fazem coisas realmente importantes eu fico assim, podemos dizer.
Flertando com minha vizinha e torso muito para que meu vizinho se mantenha
empregado e pague as prestações de seu apartamento, porque mereço minhas
tardes, olhando para ela enquanto ela me olha. O mundo realmente é uma benção,
que deus esteja com você e que seu trabalho seja realmente importante. Enquanto isso vou continuar pensando num
monte de merdas que poderia estar fazendo com sua amada propriedade. Isso é
quase uma invasão. Mas no domingo podemos combinar de nós encontrar na missa e
rezar para um deus morto.
Ficar jogando com uma
sociedade de valores de merda, é realmente interessante. Tudo tão certinho num
plano raso de existência. Mas penso por onde se esconde a vida de verdade. Ou
vamos apenas continuar a brincadeira e mentir para as novas gerações da mesma
maneira que mentiram para nós.
Hoje tive um dialogo
insano com o vizinho. Ele estava preocupado com alguma noticia que leu no
facebook, pensei que merda. Mas ele precisa ter essa interação. Eu já penso em
ir morar num lugar aonde a vizinhança fique a alguns quilômetros de distancia e
que não tenha internet.
Andei comendo uma crente evangélica,
outra mulher que também morava sozinha, mas ela tinha uma amiga que também era crente,
sua melhor amiga. Que eventualmente transava comigo. Enquanto ela ia ajudar o
pastor a arrumar o templo que ficava ao lado da sua casa. Eu ficava brincando
com a amiga. Numa tarde elas quase acabaram comigo, enquanto uma ia no templo a
outra subia em cima de mim no sofá, e aquilo já estava parecendo de propósito. A
tarde foi passando e elas não paravam de se revezar entre a casa e o templo. Depois
tentaram me arrastar para o culto a noite. E tive que declinar.
- Você parece tão
cansado? Minha namorada principal disse.
- O dia hoje foi puxado. Eu
disse.
- Mas para o senhor não
podemos ter preguiça.
- Você sabe que eu sou ateu,
não sabe?
- Que coisa horrível de
dizer, desse jeito você magoa o senhor.
- Estamos empatados, ele também
me magoa.
- Não diz uma blasfêmia
dessas amor, assim como vai ir para o céu.
- Acho que daqui ninguém vai
para o céu.
- Eu vou, sempre sigo os
ensinamentos do senhor meu Deus.
Dei uma olhada em suas
costas, mas não tinha nada.
- O que foi? Ela disse.
- Aonde estão as suas
asas? Eu disse.
Enquanto a outra só
olhava, com aquele olhar de boa puritana.
A sociedade propriamente dita
e com essa coisa de redes sociais, me parece ser uma grande estupidez. Sou
muito antissocial, eu sei e ninguém precisa me dizer isso. Apenas não gosto. Acho
tão ridículo quando alguém me convida para curtir sua página, ou me marca em
suas postagens. Ridículo demais. E se alguém me diz que é meu amigo em alguma
rede. Me pergunto, nem conheço essa pessoa e com certeza não tenho nenhum
interesse em conhecê-la.
Vejo apenas mais um ser
vazio que sabe postar fotos e falar em um dialeto de clichês politicamente
correto, tudo muito vazio. Mas preciso vender meus livros, então sou educado. E
apesar de ter uma tendência anarquista, ainda vivo num mundo capitalista e
teatrólogo.
As calcinhas na corda de
minha vizinha, realmente é uma bela visão do mundo. Possibilidades, muitas
possibilidades.
Röhrig
C.
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