“Em terra de saci uma calça de
brim dá pra dois”
Lembrei dessa história, uma
vez estava no interior do interior do Rio Grande do Sul. Numa cidadezinha minúscula.
Aonde tinha apenas um boteco, e a noite o pessoal do lugar se reunia lá para
beber cerveja e conversar.
Tínhamos trabalhado o dia todo
coletando plantas, um bonito trabalho de botânica. Passei no hotel tomei um
banho e fui até o boteco beber uma cerveja e olhar o movimento.
As pessoas me olhavam com
aquela curiosidade normal de quem fica observando um forasteiro. As garçonetes
eram gentis e sorridentes. Escolhi uma mesa de canto e fiquei fazendo uma das
coisas que mais adoro nessa vida, fiquei observando a vida e as pessoas.
No outro canto, sentado numa
mesa tinha um sujeito extremamente ordinário e grosseiro, comecei a observar a
maneira como ele tratava com desdém todas as pessoas do local e ao mesmo tempo
tinha a atenção de todos. Estava na cara que ele era o dono da cidade.
Uma das garçonetes me chamou a
atenção em especial, além de linda e amável, ela tinha um sorriso
deliciosamente safado e um olhar que queimava.
Comecei a fazer todos os
pedidos para ela, uma cerveja, um maço de cigarro, uns pasteis, seu nome, tudo
enfim.
O que fez o sujeito da outra
mesa tomar uma atitude, ele percebeu o meu interesse e chamou a garota para sua
mesa. Ela parecia ser muito intima dele. Sentou ao seu lado e ficou bebendo
junto. De tempos em tempos se levantava e fazia de conta que atendia os outros
clientes.
Continuei insistindo em que
ela me atendesse, o que fez com que o sujeito se tornasse mais grosseiro, e
pisasse mais naquela gente, ele poderia escarrar no chão e mandar qualquer um
ali lamber que com certeza lamberiam seu escarro com muito orgulho.
Ficavam enaltecendo aquela
escoria humana, como se ele fosse um rei bufão e cruel.
Ele começou a insultar ela na
frente dos outros, como se estivesse brincando, todos riam inclusive ela.
Fiquei pensando como a
sociedade suporta e aceita um sujeito desses, respondi minha própria pergunta
com apenas duas palavras “miséria, dinheiro”. Aonde essas duas palavras andam
juntas, mesmo que em lados opostos, o ser humano aceita tudo. Já tinha visto muito
disso nesta vida, mas nunca de maneira tão descarada e grotesca.
Fiz amizade com duas moças que
estavam sentadas na mesa ao lado e elas me contaram toda a história, inclusive
a relação dos dois nos mínimos e sórdidos detalhes.
Senti muita pena da garçonete
que precisava se sujeitar a tudo aquilo para sobreviver. Por um tempo esqueci
da garota e foquei minha atenção nas duas novas amigas, mas logo surgiu um novo
problema. As duas garotas eram namoradas.
Um colega da expedição chegou
no bar e sentou-se em nossa mesa. Continuamos conversando agora os quatro. Meu
colega não percebeu que as meninas eram namoradas e começou a dar em cima de
uma de forma descarada e patética, eu que já tinha entendido, comecei a rir e a
brincar, as garotas ficaram se divertindo com ele e dando lhe corda. Ele já estava
se sentindo um verdadeiro Casanova dos confins do Rio Grande do Sul. Não o
culpo pelo equivoco, até eu estava equivocado com tamanha feminilidade e
sedução das duas, mas quando entendi vi que também eram duas pessoas incríveis,
amáveis e amigas. Difícil encontrar pessoas assim tão especiais nessa vida.
Surgiu então um novo
personagem, na verdade dois personagens. Um sujeito franzino, simpático, com aparência
de boa pessoa e extremamente humilde. Com uma menininha no colo, loirinha de
cabelos cacheados, que deveria ter uns dois anos no máximo. O sujeito entrou no
bar meio cabisbaixo, envergonhado, com a menininha que deveria ser sua filha.
O rei bufão deu um grito e o chamou
para sentar em sua mesa. Os dois homens se cumprimentaram como velhos amigos. Um
era exatamente o oposto do outro, enquanto o bufão era um homem corpulento e
grosseiro que intimava a todos, o outro era franzino e patético, digno de pena.
O bufão pegou a menina e
começou a brincar com ela como se sacudisse um troféu para exibir a todos,
aquela linda menininha loirinha e de cachinhos, que sorria e dava risadas a
cada vez que era lançada para cima. O franzino apenas desviava o olhar das
outras pessoas como se estivesse ali por obrigação, aquilo realmente parecia
estar torturando-o.
A garçonete que tinha sido o
motivo da minha disputa com o bufão, surgiu da cozinha trazendo uma porção de
batatas fritas e mais uma cerveja, colocou tudo na mesa e se virando para o franzino
o beijou, e depois pegou a menininha no colo, entendi que era a filha dela e o
franzino seu marido.
O bufão fazia questão de
humilhar o outro na frente de todos no bar, e o franzino aceitava tudo como se
fosse sua obrigação. A menininha foi passando de colo em colo, como num jogo.
Até que o bufão secando o copo
apenas em um gole, gritou para todos no bar escutarem:
- Em terra de saci uma calça de brim dá pra
dois!
A garçonete que estava sentada
entre os dois homens deu uma gargalhada nervosa, o franzino um sorriso triste,
e o povo do local fez uma festa.
Röhrig C.
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