EFEITO
WERTHER (07)
Sofia me acordou as 17h.
- Você não vai levantar? Ela perguntou.
- Daqui a pouco. Respondi.
- Mas já passam das cinco.
- Eu sei, eu sei.
- Alguém precisa ir no supermercado!
- Eu sei, você pode ir.
- Acho que deveria ser você!
- Por que você não vai? Você já
está de pé, porra!
- Grosso! Ela disse, e saiu do
quarto batendo a porta.
Sentei na cama, encostado na
cabeceira e peguei o isqueiro e um cigarro no criado-mudo. “Que merda, sempre
tem que ser eu, a ir naquela porra de supermercado, - pensei – só para depois
ela ficar reclamando que comprei os produtos da marca errada, e me fazer voltar
no super para trocar. Merda!”
Comecei a escutar o barulho de
pratos e copos se quebrando no chão. Levantei e fui até a cozinha.
- Que merda está fazendo? Eu disse,
olhando aquele monte de vidros estilhaçados no chão da cozinha.
- Se você não vai no super,
não precisamos mais dessas merdas. Ela disse e continuo pegando os pratos na
pia e jogando no chão.
- Pode parar! Eu vou no super,
você é muito boa de argumento mulher!
Ela sorriu e jogou mais um
prato no chão, se partindo em vários pedaços.
- Pode deixar que eu vou. Já disse
que vou!
- Esse era o prato da vizinha,
- ela disse – vou colocar um prato na lista para você comprar também, vê se não
compra um prato diferente.
- Como é que vou saber que
porra de prato era esse, agora que quebrou.
- Ela vai ficar braba se
devolver um prato diferente.
- Você é foda mesmo. Eu disse
e comecei a rir também.
Nenhuma pessoa conseguia ser
mais chata no prédio todo do que a vizinha da porta da frente do outro lado do
corredor. A velha era muito chata, vivia querendo dar palpite em tudo e saber
de tudo. Dava para ver pela sombra do olho mágico de sua porta, que ela estava
sempre ali espreitando. A fresta embaixo da porta mostrava que a luz estava
acesa, mas o olho mágico estava sempre escuro.
Sempre que se abria a porta do
apartamento, coincidentemente ela abria a porta do dela.
Quando o vizinho do 5ª andar
se matou, ela foi a primeira pessoa do prédio a chegar na calçada, para olhar o
corpo. Depois durante alguns meses, ela comentava a vida do vizinho com todos
os moradores do prédio, o carteiro, os entregadores. Ela tinha todas as
certezas a respeito da vida dele, e dos motivos que o levaram a pular pela
janela.
Dona Jurema, o nome da velha;
80 anos e viúva de dois casamentos. Deve ter matado de tédio seus dois maridos,
ou empanturrados até a morte. Com seus famosos bolos de chocolate, que ela
adora fazer, e compartilhar. Mas aquilo cheirava a uma desculpa, para tentar
entrar no nosso apartamento e descobrir o que estava acontecendo. Fiquei
imaginando o escândalo que ela ia fazer a respeito do prato quebrado,
provavelmente uma peça de seu enxoval do primeiro casamento.
Voltei para o quarto para me
vestir e ir no supermercado, enquanto Sofia se sentou na cadeira ao lado da
mesa da cozinha, com um ar de satisfeita explicito em seu rosto. Ajeitou o
caderno a sua frente, pegou a caneta, e continuou a fazer a lista de compras.
(continua 😊) Röhrig C.
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