EFEITO
WERTHER
Ficamos rodando pela madrugada
o resto que nos sobrava de escuridão, apenas o som da borracha, rodando pelo
asfalto, o vento gelado entrando pela janela. Continuamos ultrapassando todos
os sinais vermelhos, as ruas desertas. Senti como se estivéssemos sozinhos
naquele labirinto de concreto, as fachadas dos prédios passando, a sujeira da
rua, a solidão. Podia ver algumas janelas iluminadas, que não me diziam nada. Estranho
não estar sentindo nada. Aquilo parecia como se nunca ia terminar. Melhor assim,
pensei. Poderia continuar eternamente ali, uma madrugada eterna, rodando e
rodando. Marcos pediu um cigarro, acendi dois e alcancei um, foi o máximo de
dialogo que conseguimos, cada um absorto em seus próprios pensamentos. A madrugada
estava fria e ainda tínhamos meio tanque de combustível para queimar. Paramos em
um posto de gasolina “24 horas”, desci e comprei mais dois maços de cigarro e
uma garrafa de uísque, e voltamos a rodar. A madrugada parecia eterna. Fomos alternando
entre cigarros e goles de uísque e ultrapassar sinais vermelhos. Os pneus no
asfalto, as luzes em algumas janelas. Começamos
a observar as placas de PARE, o que nos proporcionou um certo humor irônico e fez
com que o carro andasse mais rápido, mais violento. Absortos em nossos próprios
pensamentos, indiferentes ao que estava passando pela cabeça do outro, apenas
seguindo em frente.
- Você acha que ele sentiu
algo? Ele disse.
- Pouco provável. Eu disse.
- Mas foi um belo presente.
- Um presente caro, – eu disse
– o que será que vão fazer com essa situação?
- Não faço a mínima ideia
cara.
Estava sendo difícil estabelecer
um diálogo racional, estávamos muito absortos com nossos próprios planos
individuais. já tinha passado por todos os estágios agora estava apenas
aceitando os fatos. Enquanto continuasse escuro estaríamos seguros e confortáveis
naquele labirinto. Gosto daquela música do pixies “where is my mind”. E os
pneus rodando no asfalto, o frio da madrugada, a escuridão, o conforto de não
fazer parte de nada.
Ele começou a gargalhar feito
um lunático e gritar socando as mãos na direção.
- Você se lembra as merdas que
fazíamos quando voltávamos da praia? Ele gritou.
- Final do verão, lembro sim! Eu
disse.
- Éramos muito retardados,
voltando sempre na contramão, com aquela merda de cerração que não dava para enxergar
um palmo na frente do nariz. Ele disse.
- Já fizemos muita merda
mesmo!
Começamos a rir das lembranças
e dos rostos apavorados dos outros motoristas e passageiros que nos encontravam
pelo caminho. Mas nunca colidimos com ninguém, sempre foi uma brincadeira
inocente. Acelerar as cegas andando na contramão. As garotas que entendiam o
que estávamos fazendo durante a viagem ficavam sempre muito apavoradas e pediam
para parar e descer. Mas aquele era nosso ritual de despedida do verão. Depois de
alguns berros, choros histéricos e tentativas de pular fora do carro voltávamos
para a via certa, meio que ziguezagueando as duas vias. No final tudo dava
certo. Todo mundo chegava em casa.
Marcos subiu a calçada e
estacionou a alguns centímetros de uma árvore.
- Cara estou muito bêbado acho
melhor você dirigir. Ele disse.
- Pode ser. Eu disse.
Saímos do carro e trocamos de
lugar, voltei para a avenida e continuamos vencendo os sinais vermelhos e as
placas de PARE.
(continua 😊)
Röhrig C.
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