EFEITO
WERTHER (15)
Acordei de manhã suado. As
gotas de suor corriam da testa para a boca. Mais uma noite, mais um pesadelo. O
quarto ainda estava escuro, estava sozinho, a mulher já tinha saído para ir
trabalhar. Aquele lugar parecia uma cripta confortável. Acendi um cigarro e fiquei
olhando para o contraste da brasa vermelha do cigarro e da escuridão do quarto.
Senti uma sensação boa e
confortante, poder não me ver e nem escutar nada. Todos já deveriam ter saído
de seus minúsculos quartos para irem trabalhar ou fazer qualquer outra coisa. É
muito bom poder estar sozinho, pensei.
Fugir dessa existência mecânica
de ter que chegar sempre em algum lugar, em alguma hora. Liberdade é não fazer
nada pelos mesmos motivos. Ter a real compreensão da inexistência que se faz presente
e perniciosa, sobre a forma de existência, que no fundo não existe, além de
nosso ego e temores.
Terminei o cigarro e fui
tateando pela escuridão até encontrar a porta do banheiro. Acendi a luz,
levantei a tampa da privada e dei uma mijada. O tesão do xixi, passou logo
depois. Fui até a pia e lavei as mãos e a cara. Podia me ver novamente
refletido no espelho do banheiro, e isso não fazia o menor sentido. Escutei a
porta da rua se abrir e fechar. Os passos de alguém vindo de encontro. A porta
do banheiro se abriu.
- Bom dia amor. Ela disse.
Vi seu reflexo no espelho.
- Bom dia querida. Eu disse.
- Vamos tomar café? Comprei
pão e frios.
- Estou com fome, que bom que
voltou.
- Você estava tão pregado que
nem viu quando sai.
- Eu durmo muito pesado, pode
cair o mundo que continuo dormindo.
Voltamos para o quarto,
enquanto Patrícia preparava o café, fiquei dando uma olhada em seus livros numa
pequena estante de ferro.
- Você tem uns livros bem
interessantes. Eu disse.
- É que preciso deles para dar
aula. Ela disse.
- Uma professora?
- Sim, - ela disse e sorriu –
no que trabalha mesmo?
- Atualmente em nada.
- Que inveja, como consegue se
manter?
- Não sei ao certo, acho que é
pura sorte.
- Queria ter um pouco dessa
sorte também. As crianças são umas pestes e os pais são ainda piores. É
horrível!
- Por que não muda de
profissão?
- Sou muito acomodada. E
preciso pagar as contas, não tenho a mesma sorte sua.
Ficamos ali conversando sobre
seus dramas cotidianos, pensei o que estava fazendo ali. Não me parecia ser
justo nossa intimidade. Que na verdade não era nada intima. Estávamos apenas
tentando de forma tão superficial e moderna. Que fiquei imaginando se sempre
foi assim, e eu é que era um tolo que vivia romantizando tudo. Essa vida de
adulto não se parece nada com o que podia imaginar. É muito vazia.
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