Noite de sexta-feira, em Porto
Alegre. O movimento anda agitado com as possibilidades do final de semana.
Continuo sentado no meu canto do bar, a cerveja quente no copo e o cinzeiro
transbordando. Poderia ser um boteco em qualquer lugar, mas ficava no mesmo
prédio do cursinho pré-vestibular. Sempre entediado com as aulas e toda aquela
energia dos professores do cursinho. Seres tão divertidos nos convencendo que
aquilo tudo faz algum sentido. Preciso de muitas coisas e tudo que me oferecem,
são mais coisas para passar o tempo. O grande significado da vida, achar coisas
para passar o tempo.
O garçom já me conhecia a mais ou
menos uns seis meses, toda noite era a minha primeira parada naquele prédio
comercial. Mas mesmo assim ainda não sabíamos os nomes. Nunca dei muita
importância para nomes, as pessoas vão passando e eu vou passando. Nada de
importante, nada permanente.
Duas garotas lindas entraram pela
porta, vestidas com roupas de uma noite de sexta-feira, e maquiagem de
sexta-feira. Iam de mesa em mesa e por todo o balcão, carregando pequenos
panfletos coloridos. Paravam por um segundo abordando as pessoas e distribuindo
seus panfletos e sorrisos. A minha mesa era a ultima, uma mesa invisível. Mas
as garotas me acharam e ficaram plantadas na minha frente com belos sorrisos e
olhares sedutores. Fiquei imaginando quanto custaria à brincadeira.
- olá tudo bem! A loira disse.
- Quer ir numa festa? A ruiva
perguntou.
Continuei bebendo minha cerveja
quente e olhando para elas, o jogo é simples, pegue umas garotas lindas e
sedutoras, do tipo comunicativo, largue uns panfletos e mande-as circularem
pelos bares perto dos cursinhos ou do campus, sempre funciona. Elas vão te
convencer que aquela noite você esta com sorte e que elas querem ficar com
você. Mas não se iluda é apenas parte do marketing. O mais provável que pode
acontecer é você ir numa festa e encontrar uma legião de caras sozinhos, que
como você também acreditou que tiraram o bilhete premiado. Mas os conselhos
nunca adiantam e você sempre quer se iludir. Fiz o melhor que podia.
- Tudo ótimo, onde é a festa? Eu
disse.
- É aqui perto, no centro mesmo. A
loira disse e alcançou o panfleto.
Peguei o panfleto e olhei de forma
minuciosa, o lado que estava impresso e o lado que estava branco.
- Legal! Respondi.
- Você tem que ir vai estar muito bom
hoje, é festa da arquitetura. A ruiva disse.
Poderia até ser legal, numa noite de
inverno, com chuva e tudo mais. As possibilidades não pareciam ser tão legais.
Mas elas eram muito legais. E poderiam ter mais. Voltamos ao problema do
marketing. Eu sabia que era apenas uma ilusão. Que se dane eu vou. – pensei.
- Que horas começa? Perguntei.
- as onze! Elas responderam juntas e
animadas, começamos a rir.
Da mesma forma que entraram no bar,
saíram, sempre esbanjando alegria e um mundo de possibilidades. Mas elas já
estavam na faculdade e eu ainda nem conseguia assistir as aulas no cursinho.
Aquelas eram garotas de faculdade e festa. Garotas pra filhinhos de papai e não
para um desajustado como eu. Fiquei olhando o espelho na parede do outro lado,
e o que eu via. Um sujeito cabeludo, com um cabelo bagunçado, a barba por
fazer, usando um jeans sujo e desbotado, uma camisa preta de mangas compridas,
que parecia que tinha sido apenas jogada por cima a uns quatro ou cinco dias
atrás, magro e com a pele num tom de branco amarelado. Quanto tempo já faz, que não pego um pouco de
sol? Pensei.
O garçom se aproximou e limpou a
mesa, trocou o cinzeiro e perguntou: - Mais uma cerveja chefe?
- Quanto devo? Eu disse.
Fechei a conta e sai para aula, ainda
dava tempo de assistir a metade da aula. Caminhei até o elevador e fiquei
esperando. Olhando para o panfleto e pensando que realmente poderia ser um
bilhete premiado. Quem sabe pelo menos aquela seria uma noite de sorte. As
portas do elevador se abriram e as pessoas saíram como animais que fogem de um
matadouro, apressadas, passando por cima de tudo. Percebi que era a minha
turma. Perguntei para alguém que estava no final daquela avalanche o que tinha
acontecido. A aula tinha terminado o professor tinha que ir num velório. E
liberou o pessoal. Afastei-me e voltei para o bar.
Troquei a cerveja por algumas doses
de uísque, precisava ficar sóbrio, pelo menos até encontrar o endereço.
Terminei o primeiro maço de cigarros, comprei outro e sai para encontrar o meu
premio.
A noite não estava grande coisa,
chovia e fazia muito frio. Andava congelando, meus pés ensopados das poças
d’água. Encontrei o local, um velho casarão com aspecto de abandonado. Olhei
duas vezes para o numero. Deveria ser ali, muitas pessoas jovens entrando e
saindo. Comecei a escutar a musica que vinha de dentro. Passei a porta da
entrada e um pequeno grupo estava dançando, no que parecia ter sido uma sala,
outros grupos encostados nas paredes, no bar, sentados na escada que levava ao
segundo andar. Era uma daquelas festas alternativas que acontecem cada dia num
lugar diferente, tinha algo de lúdico. Atravessei a sala até o bar improvisado
e comprei uma cerveja. Dei uma olhada na volta e percebi que tinha alguns
metros de parede onde ninguém se escorava. Caminhei na direção, tinha uma
cadeira encostada na parede. Sentei-me no chão de pernas cruzadas, como um
índio de algum filme americano. Joguei fora o copo plástico e comecei a beber
direto no gargalo da garrafa.
Uma garota parou na minha frente e
ficou me olhando, retribui o olhar.
- Esta cadeira esta ocupada? Ela
perguntou, apontando com a mão na direção da cadeira.
- O que você disse? Perguntei.
- A cadeira! Esta ocupada!
- A cadeira, não. Ela só esta ai.
Ela riu e se sentou na cadeira,
bebendo a sua cerveja e olhando o movimento. Continuei olhando também. Percebi
no meio da pista a loira e a ruiva dançando com uns sujeitos bem vestidos e
alimentados, do tipo que freqüentam academias e clubes, aquele tipo que sempre
esta em alta.
- Esta legal a festa, você não acha?
Ela disse.
- Sim. Eu disse.
- Você faz arquitetura?
- Não.
- Eu estou no primeiro semestre.
- legal.
Continuei bebendo, enquanto ela
parecia pensar nas próximas frases. Eu queria apenas beber, escutar musica e
ficar na minha. À noite esta sendo perfeitamente previsível. Nenhuma novidade.
Continuava bebendo e a musica esta boa.
- Eu moro com uma amiga, estamos
rachando um apartamento aqui perto. Ela disse.
- Legal. Eu disse.
- Minha amiga foi viajar este final
de semana, e eu fiquei sozinha.
- Legal.
- Vou pegar mais uma cerveja, você
quer? Ela disse.
- Você pode me trazer mais uma. Eu
disse, e tirei uma nota de cinco e alcancei pra ela.
Adeus minha nota de cinco. Pensei,
enquanto ela ia se distanciando em direção ao bar. Realmente uma linda garota e
gentil. Nunca mais ela ia voltar, o lugar estava ficando cheio. Sentei na
cadeira para guardar seu lugar. Ela indo e levando junto minhas esperanças.
Distrai-me olhando o pessoal dançando.
Ela voltou com duas garrafas,
sorrindo e se mexendo quase como se estivesse dançando, dava pra ver que estava
muito feliz. Peguei minha cerveja e levantei de seu lugar, voltando a sentar no
chão.
- Obrigada!
- Eu é que tenho que te agradecer.
Por você enfrentar esta multidão.
- Demorei um pouco, tinha muita gente
no balcão.
- Nem percebi.
- O que você vai fazer depois daqui?
- Vou pra casa.
- O meu apartamento é aqui perto.
- Eu moro na azenha. O que esta
achando do curso?
- Legal! Minha amiga só volta no
domingo.
- Vai passar o final de semana
sozinha.
- Sim.
Ela ficava me olhando com aqueles
grandes olhos cor de mel, seu cabelo liso e preto, emoldurando seu rosto de
traços finos e delicados, apenas seus lábios eram carnudos, e bem desenhados,
tinha os lábios úmidos e muito provocativos, combinando com seus olhos que me
convidavam.
- Você é de Porto Alegre? Ela
perguntou.
- Não, sou do interior e você? Eu
disse.
- Eu também sou.
Ficamos um longo tempo conversando,
sobre o interior, a capital, festas, universidade. Um assunto puxando o outro.
Uma cerveja atrás da outra, e ela sempre gentil indo buscar, mais e mais. Até
que fiquei sem dinheiro e ela continuo trazendo. Fomos ficando cada vez mais
altos e alegres. Dançando naquele canto da festa. Ela parou por um estante e
ficou apenas me olhando, sorriu e passou os braços pelo meu pescoço, quase
encostando sua boca em minha orelha.
- você quer conhecer o meu
apartamento. Ela disse e se afastou, continuando a me olhar e sorrindo.
Eu não podia acreditar, tinha
encontrado um bilhete premiado. Sorri de
volta, e ela me puxou para fora da festa pela mão. Fomos caminhando até o outro
lado da rua. Um bonito prédio moderno. Entramos passando pelo porteiro. Que
estava dormindo e pegamos o elevador.
10h00min da manhã caminhando pela
Osvaldo aranha, uma manhã quente e ensolarada, procurei meus óculos escuros no
bolso da camisa. Alguns fleches do que tinha acontecido vinha a minha mente
ainda embriagada. Atravessei a redenção em direção a azenha. Uma bela manhã. No
meio das árvores, algumas poças de água. O cheiro da terra e das plantas
molhadas. Onde eu tinha deixado os meus cadernos? Qual era o nome dela? Que
calor perfeito era aquele?
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