Ser cronista
Clarice Lispector
Sei que não sou, mas tenho meditado ligeiramente no assunto.
Na verdade eu deveria conversar a respeito com Rubem Braga, que foi o inventor
da crônica. Mas quero ver se consigo tatear sozinha no assunto e ver se chego a
entender.
Crônica é um relato? É uma conversa? É o resumo de um estado
de espírito? Não sei, pois antes de começar a escrever para o Jornal do Brasil,
eu só tinha escrito romances e contos. Quando combinei com o jornal escrever
aqui aos sábados, logo em seguida morri de medo. Um amigo que tem voz forte,
convincente e carinhosa, praticamente intimou me a não ter medo. Disse: escreva
qualquer coisa que lhe passe pela cabeça, mesmo tolice, porque coisas sérias
você já escreveu, e todos os seus leitores hão de entender que sua crônica
semanal é um modo honesto de ganhar dinheiro. No entanto, por uma questão de
honestidade para com o jornal, que é bom, eu não quis escrever tolices. As que
escrevi, e imagino quantas, foi sem perceber.
E também sem perceber, à medida que escrevia para aqui, ia
me tornando pessoal demais, correndo o risco daqui em breve de publicar minha
vida passada e presente, o que não pretendo. Outra coisa que notei: basta eu
saber que estou escrevendo para jornal, isto é, para algo aberto facilmente por
todo o mundo, e não para um livro, que só é aberto por quem realmente quer,
para que, sem mesmo sentir, o modo de escrever se transforme. Não é que me
desagrade mudar, pelo contrário. Mas queria que fossem mudanças mais profundas
e interiores que então viessem a se refletir no escrever. Mas mudar só porque
isto é uma coluna ou uma crônica? Ser mais leve só porque o leitor assim o
quer? Divertir? Fazer passar uns minutos de leitura? E outra coisa: nos meus
livros quero profundamente a comunicação profunda comigo e com o leitor. Aqui
no Jornal apenas falo com o leitor e agrada-me que ele fique agradado. Vou
dizer a verdade: não estou contente. E acho mesmo que vou ter uma conversa com
Rubem Braga porque sozinha não consegui entender.
Crônica publicada em
22 de junho de 1968 pelo Jornal do Brasil.
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