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CRÔNICAS DE UM DIÁRIO NADA SECRETO
DIA 5 (Eu não quero mais escrever ou não posso mais escrever)
O dia estava insuportavelmente
quente, e os insetos pareciam se multiplicar a sua volta, pareciam como cães de
caça farejando sua carne podre. A dor e a febre o faziam delirar, por alguns
minutos a dor era tanta que ele desmaiava. Aquilo de certa forma era uma benção
o tempo que ficava desacordado. Mas logo uma pedra no caminho o acordava para
seu tormento. Entre gritos de dor e palavras de escarnio direcionadas aos carregadores.
Para quem imagina um deserto,
não consegue imaginar o deserto da Abissínia. Se quer imaginar o deserto da Abissínia
você tem que imaginar um terreno lunar. Aquele
lugar não parece pertencer a terra, é um deserto imenso, implacável. O que o
torna implacável? Por toda a sua extensão é pulverizado por pedras, pequenas
pedras. Pedras que se tornam um verdadeiro labirinto de pequenas armadilhas,
por mais que você tente evitar de pisar nelas, é inevitável. A cada metro que a
caravana avança, você chuta pedras, você pisa em falso nelas, seus pés ficam em
carne viva, inchados, mutilados. Aquilo tudo faz você parar, se desequilibrar e
quase derrubar a carga. Mesmo os nativos
com suas solas grossas dos pés. De toda as suas gerações e dos séculos caminhando
por aquela terra, não conseguem evitar. E a cada solavanco provocado pelo
terreno ele os sentia até seu osso. Como quem desperta de um pesadelo para cair
em um pesadelo mil vezes maior e mais tenebroso.
Assim estava sendo a sua longa
e penosa viagem de volta para casa. Atravessando a África de uma ponta a outra
até chegar na França.
Na Europa todos diziam – Já é
morto!
Então ele só poderia estar
voltando dos mortos, voltando de uma temporada no inferno.
Quem o conheceu agora se o
visse teria dúvidas. O homem já não se parecia mais com o menino. O sol do
deserto tinha feito seu trabalho, mas mesmo assim ele ainda mantinha uma certa áurea.
Talvez um demônio ou um anjo,
nunca ninguém chegou a ter a certeza. Mas ele tinha aquilo com que fazia que
outros homens o invejassem ou desejassem.
Nos bons tempos antes dele ir
sumir no fim do mundo, quando ele ainda vagava por uma Paris boemia e literária.
Sempre bêbado e rebelde com
seus poemas e arrogância na ponta da língua, um jovem impetuoso e intenso. As portas
dos salões batiam em sua cara. E ele apenas ria e se divertia com a mediocridade
de seus contemporâneos.
Mas algumas almas ele rebatou
naquele tempo, uma delas foi seu amante. Que depois de se separar da mulher e
deixar sua casa o seguiu pela Europa.
Os dois tiveram um caso
turbulento que terminou numa tentativa de assassinato. Seu amante que era mais
velho do que ele e estava completamente seduzido e atormentado de ciúmes, lhe
deu um tiro. Que pegou de raspão em sua mão. O amante ficou preso por um tempo.
Enquanto ele sumiu no mundo.
Toda sua produção literária ele
a escreveu entre os 16 anos e os 20 anos, sendo os seus melhores trabalhos
escritos nesse período em que ele viajava com seu amante pela Europa. Depois
disso nem uma linha mais ele escreveu de poesia.
Nesse período, antes de
completar 20 anos ele escreveu o livro que seria o roteiro de sua segunda
vida... Esse livro que marcaria para sempre a sua existência.
Durante muitos anos o mundo ficou
sem nenhuma noticia dele, tudo o que surgia eram boatos, ou historias de
viajantes que diziam ter visto alguém parecido com ele.
Aqueles que o negaram em vida,
agora com sua possível morte o saudavam como um dos grandes poetas. Graças ao
trabalho de seu antigo amante, que mesmo sem ter noticias dele continuo
divulgando seu trabalho e o esperando.
Depois de sua tumultuada
viagem pelo deserto e seu percurso de navio, ele chegou as portas da França.
Apenas sua mãe e sua irmã o recepcionaram no hospital.
Seus gritos foram escutados
por toda a França enquanto o médico usava o serrote em sua perna podre e
cancerosa.
Mesmo depois de amputar a
perna seu quadro não melhorou muito, já dava para se ver em suas feições a
morte chegando devagar e o abraçando.
Ele ainda fazia planos para
voltar para o deserto. Queria conseguir uma prótese de madeira. Poderia caminhar
com o auxílio de uma bengala. Não parecia ser tão ruim assim — ele ainda fazia
muitos planos.
Para quem o conhecia e sabia
de sua fama de grande andarilho, aquilo cortava o coração. O poeta tinha
caminhado por toda Europa, sempre livre, sempre em movimento.
Seus planos não mais se
concretizaram, numa manhã ele acordou com os raios do sol entrando pela janela
de seu quarto no hospital. Sentiu o calor do sol. Sentiu o beijo de despedida
da vida. Ele sentiu, e tudo aquilo se transformou em sentimentos. Nos deixando uma lacuna. Eu não quero mais
escrever ou não posso mais escrever?
A resposta já não se faz mais
importante. Basta dizer que em quatro jovens anos de sua vida ele revolucionou
a poesia para sempre, e até hoje é saudado com um dos maiores poetas de seu
tempo. E toda a poesia que veio depois dele lhe deve honras.
Seu nome é Arthur Rimbaud e
seu livro “Uma temporada no inferno”, parece as previsões de um oráculo a
respeito do futuro do autor. Assim ele escreveu, assim ele viveu.
Röhrig Escritor
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